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Cooking

A nobre cozinha rebelde de Niko Romito 17

Em Castel di Sangro, o criativo chef italiano conjuga três estrelas Michelin com uma gastronomia ousada e minimalista, forma profissionais para o futuro e quer provar que, usando apenas vegetais, pode transformar a cozinha de seu país.

  • Texto: Rafael Tonon
  • Fotografia: Helenio Barbetta e Andrea Straccini
03 de December, 2024

Casadonna é um antigo mosteiro erguido no Vale do Sangro no século XVI na região italiana de Abruzzo. Todo construído em concreto bruto e pedra, com suas paredes brancas imaculadas, largas janelas de vidro e portas de madeira talhada, é um edifício imponente rodeado por vinhas, jardins e pomares nos arredores do Parco Nazionale d’Abruzzo, uma reserva biológica da região. Fechado por um período, foi trazido de volta à vida após uma restauração corajosa focada em manter seu caráter histórico, mas que buscava uma transição para um estilo mais contemporâneo. Ganhou obras de arte, móveis de design e se transformou na casa onde o chef italiano Niko Romito e sua irmã Cristiana Romito recebem os clientes que vêm de todas as partes da Itália e do mundo para visitaro Reale, restaurante com três estrelas Michelin que eles mantêm desde 2011 e que também funciona como hospedagem.

Não à toa o mosteiro foi o local escolhido para abrigar o projeto dos irmãos. O espaço é uma representação bastante característica da cozinha proposta por Romito, um dos mais criativos cozinheiros da Itália hoje: minimalista, elegante, mas sobretudo alicerçada no passado para propor algo genuinamente novo. A comida servida no Reale — e também no café da manhã que faz parte da experiência de quem se hospeda em um dos sete exclusivos quartos do Casadonna — é pura vanguarda, resultado de uma profunda pesquisa técnica: por trás de cada ingrediente, todas as nuances possíveis são dissecadas para encontrar o potencial ideal para sua
combinação. Mas o aparente minimalismo estético proposto por Romito nos pratos — empratamentos monocromáticos, geralmente apenas um elemento ao centro — é só um disfarce para a complexidade dos sabores em jogo.

E jogo, aqui, não é força de expressão: o chef gosta mesmo de propor desafios a seus comensais a partir de contrastes o tempo todo. Onde se espera doçura, ele traz amargor; quando se espera sabor, ele surpreende com texturas. “Nem é algo proposital, eu acho. É assim que funciona a minha cabeça. Tenho uma inquietação de pensar como posso fazer diferente”, ele explica. O risoto feito com pimentão verde e maçã dourada da região de Abruzzo, por exemplo, não leva nenhum tipo de gordura (um creme perfeito criado com a maçã une tudo) e é servido à temperatura ambiente — ou seja, quase frio. Ou o gaspacho de tomates e morango, que une as duas frutas em uma entrada salgada. Ou ainda um naco gordo de berinjela com caramelo de pêssego: pela aparência e pela textura, o cliente pode jurar que está comendo algum tipo de carne, mas trata-se do mais corriqueiro vegetal.

“Penso cada vez mais na gastronomia como ramo de conhecimento holístico, em que cada um dos fatores — da técnica à mentira de pensar — são muito importantes na soma geral”,
diz, Romito.