Aprazível
Um lugar de excelente comida, ótimos vinhos e uma vista, acima de tudo, aprazível.
Rua Aprazível, 62 – Santa Teresa+55196741-3850 // aprazivel@aprazivel.com.br
Não foi apenas Roberta Sudbrack que fez dos limões, limonada. Nos tempos de pandemia, altura em que muitas casas antigas e tradicionais fecharam as portas, enchendo-nos de saudade, houve também grandes histórias de restaurantes que não apenas sobreviveram como se firmaram. Outros abriram as portas, trazendo ideias novas, gastronomia de primeira e muita esperança de que dias melhores não apenas viriam, mas efetivamente chegaram. Fizemos uma verdadeira seleção carioca, com onze casas para conhecer – ou revisitar. Estes autênticos campeões da resiliência, da coragem e do empreendedorismo merecem a visita. Bom proveito!
Muito mais do que um restaurante
Muito mais do que um restaurante, o Aprazível é uma instituição carioca. Não é apenas sobre a excelente cozinha brasileira que serve aos comensais. Nem a carta de vinhos repleta de opções fora da caixa, com forte viés natural, focada nos pequenos produtores que praticam a agricultura orgânica ou biodinâmica. Também não é sobre café, cachaça ou cerveja, três paixões brasileiras tratadas com a devida seriedade pelo pessoal da casa. Não. O Aprazível é sobre sentir-se em casa num dos pontos turísticos mais espetaculares da cidade. É sobre comer e beber tendo como pano de fundo a estonteante vista da Baía de Guanabara. É como pertencer ao Rio de Janeiro e dar a todos, nascidos na cidade ou não, a chance de ser carioca por pelo menos alguns momentos. Como bem diz Pedro Hermeto, um dos filhos de Ana Castilho, chef e fundadora da casa, “no Aprazível as pessoas podem libertar-se dos barulhos da cidade, das intempéries da vida, das confusões do dia a dia e apenas observar, relaxar e aproveitar a vida, o bem comer e o bem beber. É como se as pessoas tivessem o dom de, por breves instantes, poderem se desligar de tudo e literalmente levitar sobre o Rio de Janeiro”.
Muito mais do que um restaurante, o Aprazível é um território. Na casa onde jantam confortavelmente cerca de 250 pessoas, há muito que explorar. O Secreto é um espaço que funciona apenas sob reserva. Trata-se de uma cozinha envidraçada cercada de árvores e beleza por todos os lados. Abriga até 10 comensais que podem desfrutar de pratos diferentes dos apresentados no menu ou mesmo ser usado para eventos preparados por chefs de fora em jantares super reservados. Há o Barroco, bar de onde saem cocktails de autor e criativos, onde a cachaça é importante protagonista. O destilado brasileiro, por sinal, merece atenção especial da equipe do Aprazível. A carta da casa contém mais de 100 rótulos de cachaças de todo o Brasil. E a própria chef tem quatro marcas próprias: Santa Cana, São Pedro, São João e São Lucas.
A carta de vinhos merece um parágrafo à parte. Pedro Hermeto, sócio da casa, é quem cuida do assunto. São centenas de rótulos de pequenos produtores artesanais de todo o mundo, com excelente oferta de vinhos brasileiros. A casa, por sinal, foi das primeiras no país a apostar nos rótulos nacionais de pequenos produtores, desde o tempo em que Jonathan Nossiter dava consultoria. O próprio Pedro foi sócio do projeto Era dos Ventos, de onde saiu por absoluta falta de tempo para dedicar-se à adega. Portanto: a carta de vinhos do Aprazível é das melhores não apenas do país, mas do planeta.
Café e cerveja também recebem atenção especial, com marcas próprias tanto de um como do outro. O café é selecionado pelo staff diretamente com os produtores, em microlotes de diversos biomas diferentes. A torra e o blend são feitos pelo próprio Aprazível. As cervejas foram lançadas após uma série de provas com mestres cervejeiros. Das experiências e degustações, surgiram cinco estilos: Pale Ale, Pilsen, Session IPA, Witbier e Extra Witbier. E, claro, há as delícias clássicas do cardápio de Ana Castilho, com eterno destaque para o Palmito Pupunha e para a Galinhada da Casa.
O Aprazível abriu em 1997. Na altura, Ana morava lá com os filhos, Pedro, João e Lucas. E assim foi até 2001, quando o restaurante tomou uma dimensão que já não comportava mais a coabitação da família com os frequentadores. “No início, a gente dividia os banheiros da casa com os clientes. Mais familiar, impossível”, lembra Pedro. 24 anos depois, vencidas crises e comemorados momentos de crescimento, o Aprazível está mais sólido e forte do que nunca. Um território carioca tão fundamental quanto inestimável. Um lugar de excelente comida, ótimos vinhos e uma vista, acima de tudo, aprazível.
Culinária afetiva, chef genial
Pense um restaurante com apenas uma mesa, de seis lugares, fincado numa sobreloja pouco charmosa de um prédio qualquer numa rua relativamente tranquila, no meio da infernal Copacabana. Alguma hipótese de uma loucura assim dar certo? Pois há um restaurante assim. E que mal nasceu, já deu muito certo. É o Bão, nova empreitada do experiente e rodado chef Kiko Faria, um dos melhores em atividade no Rio de Janeiro. Kiko nasceu em São Paulo. Mas foi criado na cidade de Porto Firme, no interior das Minas Gerais. Foi lá que aprendeu a comer, cozinhar. E é de lá que vem o sotaque marcante do chef. Com passagens por cozinhas importantes de restaurantes consagrados como Gero, Quadrifoglio, Brigitte, entre outros, Kiko aproveitou a oportunidade quesurgiu com a pandemia para montar uma cozinha cujo foco inicial seria o serviço de entregas ao domicílio. “O Bão nasceu de um convite de um amigo meu, o Nando, para montar um delivery. Quando finalizamos o projeto, o dono do edifício onde estávamos instalados ofereceu-nos um espaço onde antes funcionava uma casa de máquinas. Resolvemos fazer ali uma mesa do chef, para também podermos receber o público. E o nome vem do caipira que eu sou, o paulista mais mineiro da gastronomia brasileira”, brinca Kiko, ironizando o próprio sotaque carregado.
O conceito de culinária afetiva é o próprio chef quem explica. “Queremos formar um elo com algo familiar, um prato preparado pela mãe, pela avó. Aquela comida de raiz, de fogão de lenha, fundo de panela, feita com calma e que leva para algum lugar na memória”, diz Kiko. O menu é cheio de possibilidades. Não deixe de provar as Moelas de Frango, a Coxinha de Frango com Quiabo, o Jiló do Cezar Cavaliere, o Choripan Mineiro e a Barriga de Porco Pururuca. Para terminar, experimente o irresistível Pudim de Leite da casa. Ou então, atire-se para os braços do chef. Kiko é daqueles que após dois dedos de prosa com o cliente, já sabe bem por onde ir na escolha do menu. “Eu faço uma base de menu. Já tenho algumas cartas na manga bem guardadas. Mas a gente consegue, de forma rápida, entender o gosto da pessoa e abrir mais ou menos o leque de experiências diferentes. Posso seguir para um lado mais experimental ou manter uma pegada mais tradicional. Isso para nós é uma delícia. Sendo um restaurante de apenas uma mesa, a gente pode trabalhar de uma forma realmente personalizada”, resume Kiko. Mas atenção, planeie com antecedência: a mesa do chef funciona apenas com reserva antecipada!
Uma viagem sem sair do rio
Há uma espécie de entreposto da Sardenha no Rio de Janeiro. Um tipo de embaixada ou consulado da ilha italiana encravado no histórico e outrora aristocrático bairro de São Cristóvão. Nesta casa, o cliente sentir-se-á noutro plano, como se pudesse de forma mágica e imediata teletransportar-se para território sardo. No restaurante de Silvio Podda (cujo sócio Paolo di Bella é igualmente italiano, mas natural de outra ilha, a Sicília) tudo lembra a Sardenha. Seja no ambiente charmosamente rústico que remete ao conforto e aconchego de uma taberna típico da região, seja nas receitas da ilha preparadas com mestria pelo chef. Ir à Casa do Sardo é viajar à Sardenha sem arredar os pés do Rio de Janeiro. “Eu sou sardo, nasci lá. E lá vivi por cinco anos. E a melhor contrapartida que eu poderia dar era justamente falar do lugar de onde eu vim”, explica Silvio. “E a Casa do Sardo nasce justamente desta vontade de falar sobre Sardenha, mostrar a Sardenha a um Rio de Janeiro que pouco conhecia sobre a ilha onde nasci”, conta o chef. O restaurante é um impressionante sucesso desde a inauguração, em 2012. A razão pela qual o restaurante conquistou tantos clientes e amigos de forma tão rápida é a qualidade do que se come lá. O respeito à gastronomia da Sardenha é o mote que move o restaurante. E Silvio não negocia com este fator. “Acho que as pessoas gostam da identidade sarda.
Da nossa culinária cujas estrelas são os derivados de leite de ovelha, a bottarga, os peixes, os frutos do mar. Na Sardenha usa-se poucos temperos e há uma valorização da matéria-prima, sempre evidenciada nos preparos. Este é o caminho que trilhamos aqui”, resume Silvio.
Tudo é preparado no restaurante. Pães, massas, doces, gelados, sempre com foco no ingrediente e na qualidade da produção. Com a pandemia, a aposta foi o delivery, que se manteve mesmo após a reabertura da casa. Entre os destaques do menu, o Filé de Peixe ao Zimino (cozido no vinho vernaccia, azeite e ervas, e acompanhado por uma fregola carbonara di mare); os Culurgiones (massa fresca recheada com purê de batata, pecorino e hortelã) com Bottarga; os Mallordeus (gnocchi tradicional da Sardenha). Destaque ainda para as sensacionais pizzas que saem do forno de Silvio Podda. E para terminar a refeição, as Seadas (pastel recheado de queijo e laranja servido com mel, típicos da Sardenha). E antes de despedir-se da bucólica Sardenha e voltar para o caótico Rio de Janeiro, não perca a chance de pedir o Limoncello do Sardo. Uma delícia que certamente vai adoçar a viagem de volta.
70 anos de um ícone carioca
O ano de 1951 começou agitado no Brasil. Getúlio Vargas teve a vitória na eleição presidencial confirmada pelo Tribunal Superior Eleitoral no dia 18 de janeiro daquele ano. No dia seguinte, o então presidente Eurico Gaspar Dutra inaugurou a Rodovia Presidente Dutra, até hoje a principal via de ligação terrestre entre Rio de Janeiro e São Paulo. Neste mesmo ano, Vargas, que tomou posse a 31 de janeiro, sancionou a Lei Afonso Arinos, que proibiu a discriminação racial no Brasil, e apresentou o projeto de criação da Petrobras. No desporto, o Brasil ainda tentava recuperar do trauma ocorrido no ano anterior, com a perda da Copa do Mundo dentro do Maracanã para o Uruguai. Pelé e Garrincha, que reescreveriam a história do futebol brasileiro anos depois, ainda eram miúdos que começavam a dar os primeiros passos nas “peladas” da vida.
Na música, o brilho era das cantoras da rádio. Ângela Maria cantava ‘Sabes Mentir’, de Othon Russo. ‘Dez Anos’ era o sucesso de Emilinha Borba, enquanto Linda Batista pedia ‘Me Deixa em Paz’ de Ayrton Amorim e Monsueto. Cauby Peixoto fazia sucesso com ‘Saia Branca’ e Dalva de Oliveira e Herivelto Martins seguiam, trocando ofensas através de canções, fazendo a alegria das revistas cor-de-rosa e dos programas de rádio. No cinema, enquanto Walt Disney assombrava o mundo com ‘Alice no País das Maravilhas’, Marlon Brando afirmava-se como a estrela do momento com o inesquecível Stanley Kowalski de ‘Um Bonde Chamado Desejo’, filme de Elia Kazam, que trazia no elenco, além de Brando, Viven Leigh, Kim Hunter e Karl Maden. E foi também em 1951, mesmo ano em que nasceram os cantores Phil Collins e Beto Guedes, que, na Avenida Princesa Isabel, fronteira entre os bairros de Copacabana e Leme, abriu a Churrascaria Leme.
A casa de carnes foi um grande sucesso. Mas um incêndio forçou a mudança de endereço e, entre 1961 e 1962, a churrascaria mudou-se para o imóvel que ocupa até hoje, na Rua Rodolfo Dantas, em Copacabana. Bem ao lado do Hotel Copacabana Palace. Na altura da mudança, o Rio de Janeiro já fervilhava com a Bossa Nova de Tom, Vinicius, João. E o clima de alegria da época influenciou decisivamente a direção da casa. “Começámos na década de 1950. Logo depois vimos a transição entre os cantores do rádio, o samba-canção, Maysa, Tito Madi e aquela eterna tristeza das canções sem fim, para um outro tipo de comportamento, muito mais solar, amoroso, que foi a Bossa Nova, que chegou no final dos anos 1950. Passámos a ter uma ode ao Rio de Janeiro, ao amor, à natureza. E nós afirmámo-nos justamente nesta fase. Claro que também passámos por momentos nada alegres, como a implementação de uma ditadura militar no Brasil, uma sequência de planos económicos que pareciam não ter fim e nunca davam certo, que nos deixava a todos com a impressão de que nunca teríamos paz económica no Brasil da hiperinflação. Passámos também pela recuperação do país, vimos o Cristo decolar na capa da The Economist. Mas depois, de novo, as coisas começaram a dar errado para o país, até chegar a pandemia e a coisa complicar de vez. Mas somos eternos optimistas e temos experiência em navegar tanto em águas calmas como em mares turbulentos. Por essas e outras, temos 70 anos de história para contar”, revela Antônio Saraiva, terceira geração da família que abriu a casa.
Em 1979, já consolidada e consagrada como uma das melhores churrascarias do Rio de Janeiro, a Leme passou a se chamar Palace. O nome mudou, mas a qualidade da comida e do serviço manteve-se de primeira linha. Ao longo dos anos, a casa firmou-se como uma opção de boa carne e inovações que, com o tempo, tornaram-se comuns nas churrascarias cariocas. Foi a Palace a primeira casa do género a incluir comida japonesa no bufê. Também foi a primeira a apostar em peixes e frutos do mar de qualidade. A última reforma, em 2018, assinada pelo arquiteto Chicô Gouveia, deixou a casa ainda mais bonita e confortável, com um enorme painel em homenagem à Bossa Nova:
Uma espécie de Santa Ceia com personagens-chave do género musical que encantou o mundo, onde um “Jesus” Vinicius de Moraes confraterniza com “apóstolos” como Tom Jobim, João Gilberto, Carlinhos Lyra, Baden Powell e Marcos Valle, entre outros.
No cardápio, clássicos como Bife Ancho, Picanha Borboleta, Shoulder Steak, French Rack e a espetacular Costela Prime disputam espaço com carnes exóticas como Avestruz e Javali. Peixes e frutos do mar a estalar de frescos fazem a alegria de quem prefere não abusar das carnes vermelhas. E a carta de vinhos, eclética e com boas opções de vinhos com alguma idade (coisa rara nos restaurantes brasileiros), é outro ponto forte da Palace.
Sobre a capacidade de ultrapassar tantas crises e fases e chegar a 70 anos de excelentes serviços prestados, Antônio Saraiva dá a dica do segredo do sucesso: equipa afinada e ingredientes de primeira. “Um terço da equipa tem pelo menos 15 anos de Palace. Antes da pandemia, ainda trabalhava aqui o Senhor Antônio José, que chegou à casa em 1969 e ficou até se aposentar, depois de completar 50 anos de casa. Fechámos em 18 de março de 2020, e conseguimos seguir sem despedir ninguém. Outra coisa com a qual não negociamos aqui é com a qualidade. Manter ou aumentar a qualidade dos produtos, dos ingredientes, do serviço, é um compromisso nosso que faz com que tenhamos lastro suficiente para atravessar tantas décadas com tanta dignidade”, resume o empresário. Questionado sobre a razão de nunca ter aberto outra filial da Palace ou aceitado propostas de franquia, Antônio explica citando a frase do sommelier Danilo Machado Melo, um dos melhores profissionais da cidade e uma verdadeira instituição da Palace: “Restaurante de verdade tem alma. E alma não se divide”. Que venham mais 70 anos.
30 anos de aconchego
Do lado de fora, a vespa amarela, a pequena mesa vermelha de ferro com quatro cadeiras e a fachada coberta de plantas já indicam que estamos num lugar acolhedor. E, de facto, proporcionar aconchego é uma das grandes vocações do Da Brambini, restaurante italiano que soma 30 anos de bons serviços prestados aos cariocas, em especial aos moradores do Leme, o bairro onde se situa. Desde a luz indireta à decoração interior de extremo bom gosto, passando pelos pratos de inspiração clássica italiana e pelo atendimento atencioso e quase personalizado da equipa, tudo conforta e acarinha.
Mas não há bom ambiente, iluminação adequada e decoração elegante que façam um restaurante manter-se aberto durante 30 anos, ainda mais numa cidade vibrante, onde tudo é para ontem e a grande novidade é o que ainda está por vir, como é o caso do Rio de Janeiro. O grande segredo da longevidade do Da Brambini é fazer bem aquilo a que se propõe. E assim tem sido, há três décadas.
“Temos cozinheiros que estão na casa há 28 anos”, proclama o maître e gerente Valdir Braga, veterano da gastronomia carioca, com uma longa passagem por outro italiano acolhedor, o D’Amici, e que há pouco tempo se juntou à equipa do Da Brambini. Entre os pratos que encantam a clientela, destacam-se os Espargos com Ovo de Codorniz e Azeite Trufado; as Almôndegas ao Sugo (duas almôndegas preparadas com carne picada e temperos, servidas com molho de tomate); o Escalopinho ao Vinho Marsala; o Linguado com Molho de Uva; e, claro, as massas – o ponto forte da casa, com destaque para o eterno campeão de vendas: a Lasanha à Bolonhesa da Nonna.
A carta de vinhos é variada, com especial enfoque em rótulos italianos, chilenos e argentinos. No entanto, as opções de produtores portugueses e brasileiros têm vindo a aumentar, fruto de sugestões que muitas vezes partem dos próprios clientes. A clientela é diversificada, com uma forte presença de moradores (ou antigos moradores) do Leme. “É um restaurante que atravessa gerações. É comum ouvirmos histórias como a do pai que vinha com o filho pequeno, que vimos crescer, casar-se, ter filhos e que agora traz consigo pai, filho e avô para jantar juntos”, conta Valdir.
Gastronomia desde o berço
Heaven Delhaye nasceu em Petrópolis, no Estado do Rio de Janeiro, a 31 de dezembro, filha de uma chef francesa e de um enólogo português. Resumindo, festa, gastronomia e vinho estão no ADN da jovem desde o berço. E desde cedo essa vocação se fez notar. “Tive a sorte de nascer a fazer aquilo que deveria fazer”, conta Heaven. “A minha mãe já era chef de cozinha e eu, ao vê-la cozinhar, sempre achei que as pessoas crescidas cozinhavam. E sabia que esse era o meu caminho”, recorda.
O percurso começou a ser traçado ainda na transição entre a infância e a pré-adolescência. Os pais de Heaven, Marie Jeanne Juliette e Alexandre Mendes, abriram um pequeno bistrô na sala de casa, com apenas quatro mesas. Chamava-se “Au Bon Vivant”. “O meu pai ficava na sala e a minha mãe na cozinha. Eu, ainda criança, com 11 anos, ajudava no que podia – e ela deixava”, conta a chef.
Aos 17 anos, com o apoio da família, Heaven mudou-se para a Europa. Trabalhou em França e em Portugal (onde passou um período no Eleven, do chef Joachim Koerper). Foi acumulando influências e experiências. De regresso ao Brasil, participou em programas de televisão como repórter e apresentadora, até que foi convidada a competir na edição de 2018 do MasterChef Profissionais, onde chegou à grande final. Não venceu o programa, mas a sua carreira já estava bem lançada.
A convite de Ricardo Amaral, abriu o seu primeiro restaurante com o próprio nome, no Vogue Square, em 2019: o Chez Heaven. Atualmente, como parte do grupo BFW, gere três restaurantes, todos situados entre a Barra e Jacarepaguá. “Cada casa tem um conceito diferente. A minha base está na cozinha francesa e italiana. No D’Heaven, temos um francês contemporâneo. No Cuccina, faço um italiano mais tradicional. No Nonna, apostamos em pizzas e receitas ao estilo da comida da avó”, explica a chef.
Heaven considera-se hiperativa e viciada em trabalho. A sua mente é uma verdadeira fábrica de ideias ambulante. Não é por acaso que, até meados do próximo ano, planeia abrir mais quatro restaurantes. “Sou uma pessoa que adora criar. Tenho tantas ideias que acho que nunca conseguirei ter restaurantes suficientes para concretizar tudo o que me passa pela cabeça. Se fico demasiado tempo na mesma coisa, aborreço-me. Estou sempre em busca de evolução”, brinca.
No D’Heaven, a casa mais emblemática do grupo, a chef aposta numa culinária francesa moderna, com um toque italiano e uma pitada de brasilidade. Entre os destaques, contam-se a Lagosta com Ovas de Mujol e Tuile de Sagu; o Tutano Tártaro (Tártaro de Black Angus picado à faca sobre uma barca de Tutano assado, acompanhado de mini Batatas Soufflé, puré de alho negro, gema cozida a baixa temperatura e baguetes Maison); o Magret de Canard servido com texturas de batata-doce – musseline, tuille e em pó –, Radicchio salteado e molho de ameixas, pitaia vermelha e Demi-Glace de pato; e a Panelinha de Polvo.
Criatividade em cada prova
Lúcio Vieira começou cedo na gastronomia. Aos 18 anos, foi trabalhar com a chef Roberta Ciasca e a restauratrice Danni Camilo, no Miam-Miam, ambas, até hoje, amigas e conselheiras do chef. Foi para São Paulo, onde aprendeu técnicas de cozinha molecular com Bel Coelho, passou por Londres e regressou ao Rio, onde chefiou durante dois anos a cozinha do Aprazível. Mas foi com Checho González, com quem trabalhou durante anos no Zazá Bistrô, em Ipanema, que Lúcio mais aprendeu sobre a profissão que abraçou. “Trago até hoje os valores que o Checho me ensinou: respeito pelo alimento e intolerância total ao desperdício. Talos, cascas, tudo o que for possível aproveitamos. A primeira função do cozinheiro, antes de qualquer outra coisa, é tirar o máximo proveito do alimento”, conta.
Depois de tanto percorrer diferentes experiências, Lúcio sentiu-se preparado para assumir os riscos de um projeto pessoal. E, no primeiro andar de uma casa construída no final do século XIX, em pleno centro do Rio de Janeiro, montou o Lilia. A ideia, desde o início, era criar uma autêntica cozinha de mercado.
“Trabalhávamos com pequenos agricultores dos arredores do Rio. E eu elaborava o menu diariamente, com base no que estivesse disponível nesse dia”, explica. Os preços eram acessíveis e a qualidade, variedade e frescura da comida impressionantes. O Lilia tornou-se um grande sucesso na região.
Mas depois veio a pandemia. Primeiro, tudo parou. E, na retoma, com pouca gente a circular na zona, o Lilia sofreu. O centro da cidade é maioritariamente comercial e, com empresas, consultórios e escritórios encerrados ou a funcionar com capacidade reduzida, o movimento caiu drasticamente. “Quando reabrimos, encontrámos um cenário de procura muito baixa. Por isso, tivemos de fazer algumas mudanças”, justifica Lúcio. “Ajustámos o preço médio, já que o número de pessoas a frequentar o centro diminuiu consideravelmente, seja pelo encerramento de muitos escritórios, pela consolidação do teletrabalho ou por outras novas realidades do pós-pandemia. Por outro lado, este aumento permitiu-nos usar ingredientes mais sofisticados, como polvo, camarão, variedades raras de cogumelos e mesmo hortícolas mais difíceis de encontrar, como o brócolo romanesco, o que nos permitiu explorar ainda mais cores e texturas do que já fazíamos”, afirma Lúcio.
Se, por um lado, as refeições ficaram um pouco mais caras, o aumento na variedade de opções e na elaboração dos pratos compensou amplamente o ajuste.
Criações como os Rillettes de Peixe Fumado com Cenouras Assadas, Pickles de Funcho e Beterraba Amarela; Atum Cru com Vinagrete, Ovas, Rabanete, Melancia e Beterraba Chioggia; Bife de Chorizo na Brasa com Cogumelos e Feijão-Verde Amarelo Grelhado; ou Peixe Olho-de-Boi Cru, Cebola, Brócolis Romanesco na Brasa, Molho de Gochujang e Kenip, entre outras iguarias, vão-se revezando no menu. A carta de vinhos não é extensa, mas apresenta boas opções, incluindo a copo.
Nascido para ser cult
Nelson Soares abriu as portas do Sult no final de 2019. Trouxe para a cozinha a experiência do chef Thiago Flores e uma enorme bagagem cultural, fruto das inúmeras viagens que fez ao longo de décadas. Tanta vivência fez com que Nelson, desde a abertura, soubesse exatamente onde queria chegar. Tanto que, desde o primeiro dia, a casa tornou-se um ponto de referência. E nem os percalços inevitáveis que a vida impõe fizeram com que o Sult se desviasse um milímetro do caminho traçado desde o início.
O chef e restaurateur inspirou-se num restaurante italiano autêntico, focado na qualidade dos produtos, situado em Copenhaga, na Dinamarca: o Mangia. Foi nele que se inspirou para a decoração e o conceito do Sult. No entanto, a casa está longe de ser uma mera réplica tropical da sua referência nórdica. E tal facto tem muito a ver com a trajetória de Nelson até aqui. Filho de pai paraense e mãe cearense, viajante incansável e gourmand apaixonado, Nelson é um verdadeiro colecionador de influências. Não por acaso, quando o chef Thiago Flores, que comandou a cozinha na abertura, saiu do projeto, Nelson não hesitou em assumir ele próprio os fogões do Sult. E promoveu algumas transformações que tornaram o que já era excelente ainda melhor. “Tive de trocar o pneu com o carro em andamento. Assumi a cozinha já com o restaurante em pleno funcionamento, após a saída do Thiago”, recorda. “E trouxe comigo toda a influência do meu pai e dos meus tios, todos excelentes cozinheiros e especialistas em pratos do norte do Brasil, assim como os sabores nordestinos que a minha mãe preparava”, comenta Nelson.
Se já era um ponto de encontro gastronómico desde a abertura, o Sult definitivamente alcançou o estatuto de cult depois da reabertura, após o encerramento forçado pela pandemia de Covid-19. Clientes habituais somaram-se a novos comensais ansiosos por provar pratos que, mal surgiam no menu, já povoavam o imaginário dos amantes da gastronomia da cidade. A Fregola com Polvo e Tutano, um prato de inspiração sarda, tornou-se um dos clássicos do restaurante e da cena gastronómica carioca, assim como o Mignon com Risoto de Beterraba, Cavolo Nero e Legumes. Mas há muito mais. A Milanesa de Vitela com Batata Roxa é divinal, assim como o Pirarucu Fresco com Risoto de Tucupi e Jambu, uma verdadeira homenagem às influências paraenses que Nelson carrega no ADN. A carta de vinhos está repleta de referências naturais, biodinâmicas e orgânicas. De forma geral, são vinhos pouco extraídos, com boa acidez e que harmonizam na perfeição com os pratos da casa.
E há também o ambiente. Decoração minimalista, garrafas de vinho vazias a emoldurar as paredes, cozinha aberta, serviço eficiente mas sem formalismos excessivos. E a casa está sempre cheia. Reservar é altamente recomendável. “Vejo o Sult quase como um anti-restaurante. Às vezes, sinto que este espaço é uma extensão da minha sala de jantar ou de estar. Acho que essa é a sensação que quero transmitir”, afirma o chef.
Nelson Soares é assim. Excelente anfitrião, cozinheiro talentoso e apaixonado por comida e vinhos. Abriu uma casa que mistura Itália e Dinamarca com Pará e Ceará. E que, mais do que simplesmente funcionar, tornou-se um fenómeno cult, ajudando a agitar (no bom sentido) ainda mais a já efervescente cena gastronómica do bairro de Botafogo e, consequentemente, do Rio de Janeiro.
Chef montou operação de guerra para atravessar a pandemia, criou o delivery mais bem sucedido no Rio de Janeiro e enfim reabre o Sud, o Pássaro Verde, que promete voar ainda mais alto no verão carioca
Diz o ditado que “se a vida te der limões, faz uma limonada”. Roberta Sudbrack fez muito mais do que isso. Com o avanço da pandemia de Covid-19, tudo fechou. De um momento para o outro, o Sud, o Pássaro Verde, onde a consagrada chef trabalhava, encerrou portas. Não havia previsão de reabertura, o medo e a incerteza imperavam. “Passei dois dias paralisada, a olhar para o espelho, sem saber para que lado correr”, lembra a chef. Mas a reação foi rápida. Desafiando a própria resistência que tinha em relação a trabalhar com refeições para entrega, Roberta apostou no delivery. Manteve a sua equipa ativa e, mais do que isso, inovou, criando uma rede própria de entregas.
O sucesso foi tal que, quando as regras começaram a flexibilizar, a chef optou por manter o restaurante fechado e continuar a trabalhar apenas com o delivery. Com os limões que a vida lhe deu, Roberta Sudbrack fez não apenas uma limonada, mas caipirinhas, torta e gelado de limão.
“No momento em que a pandemia começou, eu já estava num processo de reinvenção. Procurava ressignificar o meu papel enquanto cozinheira, tentando aproximar-me mais do público e desmistificar um pouco toda aquela ideia da alta gastronomia. O Sud estava prestes a completar dois anos e eu estava muito feliz com os resultados dessa busca”, conta Roberta. Naquela altura, o Pássaro Verde estava sempre cheio. A cozinha aberta e integrada à sala permitia à chef conversar e interagir com os clientes, criando uma verdadeira troca de energia. E, de repente, tudo mudou. Coronavírus, quarentena, portas fechadas. O que fazer? Roberta nunca tinha trabalhado com entregas. Na verdade, tinha aversão à ideia. Mas não havia alternativa, era preciso reagir.
“Os meus amigos europeus diziam que eu devia apostar no delivery. Toda a gente estava a fazer isso por lá, estava a correr muito bem e a salvar muitos negócios”, conta. “Mas eu tinha um enorme preconceito contra entregas. Antes da pandemia, quando me perguntavam se fazia serviço de delivery, respondia: “A minha comida, a viajar na parte de trás de uma moto, a saltar nos buracos da cidade? Nem pensar!”, lembra Roberta. “Era ainda um pouco da arrogância de quem acredita que faz alta gastronomia. Mas é aquela história: toda a forma de amor vale a pena. E podemos, sim, transmitir o afeto e o sentimento que queremos passar num prato de comida, mesmo dentro de uma embalagem a viajar pela cidade. Houve até um momento em que se abria o Instagram de qualquer chef do mundo e lá estava a foto de uma quentinha”, observa.
Definida a solução, era preciso afinar a estratégia. “A operação do delivery é totalmente diferente daquilo que fazemos num restaurante. Eu não tinha qualquer experiência nisso, por isso decidi operar como se estivéssemos a trabalhar normalmente. Chegámos até a manter a ordem de saída dos pratos, como se estivéssemos a servir os clientes à mesa! Era a única forma que eu conhecia”, recorda a chef. “Consegui trazer de volta todos os pequenos produtores com quem trabalhava e que estavam desesperados, sem saber o que fazer.
Disse-lhes para me trazerem o que tivessem, porque era exatamente isso que eu iria utilizar. Dessa forma, conseguimos fazer a roda girar novamente”, explica. Diz o ditado que “se a vida te der limões, faz uma limonada”. Roberta Sudbrack fez muito mais do que isso. Criou um modelo sustentável para o seu negócio, manteve a equipa e os fornecedores a trabalhar e mostrou que a gastronomia, independentemente da embalagem em que chega ao cliente, pode continuar a ser uma experiência memorável.
Um lugar de excelente comida, ótimos vinhos e uma vista, acima de tudo, aprazível.
Rua Aprazível, 62 – Santa TeresaPlaneie com antecedência: a mesa do chef funciona apenas com reserva antecipada!
Rua Raimundo Correia, 10/Sobreloja – CopacabanaHá uma espécie de entreposto da Sardenha no Rio de Janeiro. Um tipo de embaixada ou consulado da ilha italiana encravado no histórico e outrora aristocrático bairro de São Cristóvão.
Rua São Cristóvão, 405 – São CristóvãoSetenta anos de um ícone carioca. Equipa afinada e ingredientes de primeira.
Rua Rodolfo Dantas, 16 – CopacabanaProporcionar aconchego é uma das grandes vocações do Da Brambini.
Avenida Atlântica, 514 – LemeNo D’Heaven, a casa mais emblemática do grupo, a chef aposta numa culinária francesa moderna, com um toque italiano e uma pitada de brasilidade.
Avenida das Américas, 3.900, Piso 3 – Barra da TijucaDepois de tanto percorrer diferentes experiências, Lúcio sentiu-se preparado para assumir os riscos de um projeto pessoal.
Rua do Senado, 45/ Sobrado – CentroSe já era um ponto de encontro gastronómico desde a abertura, definitivamente alcançou o estatuto de cult depois da reabertura.
Rua Fernandes Guimarães, 77 – Botafogo