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Comê-las assadas entre brasas ou caruma, rechinantes como O’Neill lhes chamava, entre o estridular da brasa que faz ranger sal e gordura, é sinónimo de Estio. Mas a sardinha, esse emblema nacional, apanhada por um pescador artesanal e recriada por um chef duas estrelas Michelin ainda tem mais sabor.
Estamos sentados na Praia do Facho, em Vila Chã, Vila do Conde, e o sol começa a nascer entre lufadas de maresia. Lá ao longe, o horizonte é polvilhado por pequenos barcos que agora se aproximam de terra e vão lambendo suavemente a ondulação. Na imensidão do azul, surgem como cascas de noz de várias cores, a trincar a inusitada acalmia do mar, normalmente encapelado pela nortada.
Uma enseada forma uma espécie de abrigo, de porto natural, debruada por molhes rochosos, de cada lado. Todas as manhãs e fins de tarde os barcos de pesca andam na sua azáfama, acostando na pequena praia onde as mulheres os esperam, nervosas pelo que traz a faina. Durante a tarde, há homens e mulheres a remendar redes, a iscar linhas ou a fazer armadilhas (covos) para o polvo.
A sardinha foi um dos emblemas desta praia. Era daqui que saíam diretamente para as conserveiras.
Hoje, infelizmente, a pesca do cerco e a alteração do ecossistema já não a torna tão abundante.
A melhor sardinha é a do alvor. Ou seja, a que é apanhada entre as quatro e as cinco da manhã, antes mesmo do sol nascer. É assim mesmo que ela deve ser.
Fresca e reverberante, como a madrugada que a traz. Mas também a do final do dia, quando o sol se põe, e se reflete na água, em chamas cor de laranja. Com pouca ondulação e quando aparece o chamado “alvainho”, que apazigua as águas, é a hora certa para lançar as redes. É o sinal de que os cardumes de sardinhas se agitam embaixo.
Alberto Silva, um dos pescadores locais, cara tisnada e sardas a contrastar com olhos cor de avelã, conta-nos ainda que é hábito lançar redes não só de madrugada mas também ao pôr do sol. É o chamado “acejo”. Nesta altura, a sardinha também é boa.
“Quando a água está a arder, o chamado ‘ardor’, é quando ela está a emalhar, na água santiagueira. É a altura certa de lançar as redes” – conta-nos.
Este efeito, do sol a pôr-se, numa enorme laranja no horizonte, refletindo a sua cor nas águas ondulantes, “lambiscando-as” como se fossem labaredas torna-se outra altura ideal para pescar a sardinha, para além da alvorada.
A imagem é poética tal como todo o ritual que envolve este peixe. E em Vila Chã existe uma espécie de linguagem secreta imersa em neologismos que dão conta da faina de uma forma muito curiosa.
Alberto, de 68 anos, começou a pescar ainda criança, com 14 anos, segundo a tradição familiar, já que o pai também foi pescador. Já viu perto o perigo muitas vezes mas nem a onda gigante que lhe virou o barco o fez desistir. Todos os dias enfrenta o mar com a mesma força e por algum motivo o seu barco chama-se “Senhor dos mares”.
Passou ainda pela faina bacalhoeira na Terra Nova mas hoje é proprietário de uma das seis embarcações aqui existentes. Em tempos não muito distantes foram 136. Este reduto de pesca artesanal resiste, mas o número de barcos é cada vez menor.
Alberto é, aliás, também uma espécie de arquiteto naval, pois fez o seu próprio barco e divertiu-se a recriá-lo em miniatura.
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