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Restaurantes e Bares

Onde beber e comer bem em Lyon

Há cidades pelas quais temos uma certa simpatia mesmo que nunca lá tenhamos estado, verdadeiramente. No caso de Lyon, atraía-me a ideia de ser considerada a capital da gastronomia francesa e com a sua proximidade de regiões vinícolas como as Côtes du Rhone, Beaujolais ou o sul da Borgonha (Mâconnais). Ora, para um adepto de boa comida e vinhos (ainda para mais Beaujolais é o berço do movimento dos vinhos naturais), só estas duas circunstâncias já eram suficientes para querer ir até lá. Quis ainda a feliz coincidência de ter lido, recentemente, o livro de um autor que muito gosto, Bill Bufford, que relata, em “Dirt”, após passar cinco anos na cidade, as suas aventuras como aprendiz de cozinha e a sua obsessão em busca dos segredos da cozinha francesa. Posto isto, só tinha de esperar que a pandemia desse tréguas e os países abrissem para adquirir um bilhete de avião e viajar até lá. Na verdade, o que eu não esperava era chegar e encontrar uma cidade tão aprazível, bela, com muitos pontos de interesse, fácil de percorrer, segura, acessível (€), e com a dimensão ideal - nem pequena, nem demasiado grande, como Paris É um pouco das experiências do ponto de vista gastronómico que lhe deixo a si, leitor. São cinco sugestões de restaurantes (ou espaços) de diferentes estilos e níveis, onde poderá comer e beber bem em Lyon. Espero que sirva de aperitivo. Disfrute.

  • Texto: Miguel Pires
  • Fotografia: Helenio Barbetta e Andrea Straccini
19 de Setembro, 2024
Onde beber e comer bem em Lyon

Os números impressionam nesta loja, (bem como em outros dois lugares associados, na mesma área), na Vieux Lyon, a parte velha da cidade: 4800 referências e um stock de 127 mil garrafas de diferentes regiões do mundo e nos mais diversos formatos. Contudo, a alma do espaço e a sua grande mais-valia é o carismático proprietário, o lusodescendente Georges dos Santos. Jojo, como é conhecido no meio, gaba-se de fornecer a 80 estrelas Michelin no país e de ter a fama de conseguir o impossível. “Se uma loja tem uma ovelha com cinco pernas, eu tenho essa ovelha de cinco pernas”, diz brincando. Depois disto é quase redundante dizer que a sua loja (sobretudo a principal) é o paraíso de qualquer enófilo. No piso térreo, personalizado e organizado de forma meio caótica – pelo menos à primeira vista – encontramos vinhos por todo o lado, entre quadros autografados por estrelas de rock nas paredes.

Ao fundo, num balcão, há normalmente várias garrafas abertas e é aqui que, estando Jojo na loja, começa a interação entre o proprietário e o cliente. Porém, com ele ou não, é imperativo descer ao piso inferior, um verdadeiro santuário escavado no solo onde pousam à vista Borgonhas de topo (com vários Romanée Conti, claro), nomes mais e menos sonantes de Bordeaux, rótulos de culto do Loire, Côte du Rhone ou Califórnia, colecções de vin jeune do Jura, Portos de diversas colheitas, muitas delas antigas, etc.

Mas não são apenas os grandes nomes, os châteaux famosos e os Grand e 1er Crus desta vida que encontramos na Antic Wine. Como um bom caviste, Georges dos Santos tem um prazer especial em descobrir e dar a conhecer vinhos menos sonantes e com bom custo benefício, sejam eles de onde forem, do Languedoc gaulês ao Douro português.
Não admira, por isso, que ao longo da mais de uma dezena de anos que leva aberta, tenha ganho vários
prémios como o de caviste do ano da Revue du Vin de France, ou uma das dez melhores lojas de vinhos do mundo, da Wine Spectator.

Antoine Dengis iniciou-se no mundo dos vinhos pela produção, trabalhando com o sogro, enólogo numa adega em Vaucluse, onde as uvas eram cuidadas sem fitofármacos e vinificadas com o mínimo de intervenção. Antoine passou ali sete anos, mas em 2007 resolveu mudar para o lado da divulgação e venda, abrindo uma loja bem no centro de Lyon. Porém, era importante alargar horizontes e o gosto por uma filosofia de vinhos pouco interventiva e muito ligada à terra levou-o a viajar e a conhecer vignorons um pouco por toda a França. Hoje, com três lojas em três bairros distintos do centro da cidade, o resultado de suas visitas a produtores reflete-se no conjunto de vinhos que encontramos nelas.

Por outro lado, como mencionámos no início, estando Lyon situada nas proximidades de regiões conhecidas como Beaujolais, Borgonha (Mâconnais), Rhône, Savoie e Bugey, é normal que estas ocupem uma boa parte da seleção da Vins Nature.

Porém, nas lojas encontramos também uma boa curadoria de referências do Jura, Loire, Borgonha (além do Mâconnais) e Champagne, entre outros, bem como uma grande escolha do Languedoc-Roussillon, a maior região de França, onde se produz muito em volume, mas também onde, ao longo dos anos, se tem vindo a aprimorar algumas preciosidades, sobretudo com uma pegada mais natureba.

Os caçadores de garrafas-troféu, poderão ficar desiludidos por não conseguirem encontrar nas prateleiras alguns míticos vinhos dos fundadores do movimento dos naturais, sejam os cuvées mais exclusivos de Marcel Lapierre e de outros do “Bando dos 4” de Beaujolais, ou um qualquer rótulo de Pierre Overnoy. É normal, já que a demanda por esses vinhos a nível mundial é enorme e a locação a que cada loja tem direito é normalmente reservada para os melhores clientes. A nossa dica é que vão com tempo, entrem de mente aberta, conversem, procurem aconselhamento e façam uma seleção a partir do que de muito bom está à vista. Quem sabe se o quebrar do gelo não faz abrir outras portas.

Na parte renascentista de Presqu’ile, em pleno coração de Lyon, este restaurante é uma das atrações da colorida e animada Rua Mercière. Trata-se de um dos tradicionais bouchon da cidade, com uma configuração meio labiríntica, mesas atoalhadas de xadrez em tons de vermelho e branco (bem juntas) e ambiente boémio.

Jean-Louis Manoa é o chef patron deste restaurante familiar e o cardápio apresenta uma série de propostas de cariz tradicional com um twist atual. Entre o menu do dia e o de temporada, podemos encontrar pratos de assinatura, como o peito de galinha de Bresse com molho de vin jeune e puré de trufas. Porém, quem acaba de à cidade certamente vai querer experimentar os pratos locais e para tal deve optar pelo Menu Lyonnais, onde se encontram iguarias como o folhado de boudin noir (morcilla) com batatas, fondantes e em puré. Faz parte deste menu local também a famosa andouillette, aqui servida com puré da casa e couve grelhada. Porém, se é sensível ao aroma muito próprio desta salsicha feita com intestino de vaca (neste caso), não precisa de desistir, há outras opções. Agora, o que não se poderá perder de sobremesa é a incrível baba au rhum – seja a versão ousada ou mais clássica.

Outra das razões para reservar mesa no Le Mercière tem a ver com a carta de vinhos, de boa curadoria. Quer dizer, não espere encontrar por aqui os big shots de Bordeaux ou da Borgonha. Contudo, certamente que vai encontrar um bom Fleurie, Morgon ou outro cru do Beaujolais, ou mesmo um dos muitos rótulos do Rhone disponíveis, se aprecia um vinho mais intenso. Afinal, casar comida local com vinhos locais faz (quase) sempre todo o sentido.

Continuando em Presqu’île, a 700 metros do universo Thomas, temos o Rustique. Aqui, a aposta é na cozinha de autor, conceitual e sofisticada, servida num ambiente elegante, ainda que sem luxos vistosos. No fundo, trata-se de um lugar que corresponde ao padrão atual de um restaurante com uma estrela Michelin.

O nome (rústico) pode levar ao engano, sendo que o termo, mais do que a definição de um estilo, deve ser lido como uma filosofia. Neste caso, a proposta anda em volta do território local, ou melhor, de um universo até mais alargado, de Auvergne aos Alpes, do chef Maxime Laurenson.

Como é comum em muitos destes lugares, não há cardápio, apenas um menu de degustação servido em 10 tempos e que vale todos o dinheiro que custa. Os pratos são audazes, por vezes mesmo espantosos, mas também há algum classicismo e perfeição à francesa. De uma forma geral, privilegia-se, além da estética, a surpresa, o sabor e o proveito máximo do ingrediente, que pode tomar diversas formas. Um “pão” crocante de lentilhas de puy, ou uma beterraba camuflada de rosa, só para dar dois exemplos. Também o peixe de rio (ou de lago) é trabalhado de forma admirável ganhando a nobreza de um primo rico do mar. O mesmo acontece com o pombo, que embora seja um produto nobre, é preparado e servido para ser degustado completo, do bico ao pé.

Em termos de vinhos, apesar da carta estar recheada de referências (mais uma vez) da Borgonha, Beaujolais e Rhône a preços muito razoáveis, é interessante fazer o pairing proposto para o menu. Essa opção pode ser gratificante, não só porque foi pensada para o melhor casamento com a comida mas também porque permite conhecer outros mundos, como o dos vinhos menos conhecidos da Savoie ou de micro-terroirs de locais mais remotos.

Aberto em 1921, o La Mère Brazier é um dos restaurantes mais emblemáticos de França. Das glórias alcançadas, destacam-se as três estrelas Michelin detidas entre 1933 e 1968 e, sobretudo, o papel fundamental no prestígio alcançado pelo chamado grupo das mães de Lyon. A “mère”, Eugénie Brazier, foi a primeira chef mulher no mundo a ter a distinção máxima do guia vermelho e a primeira pessoa na história do guia a conquistar 3 estrelas em dois restaurantes. Para se perceber ainda melhor a sua relevância e a sua influência, basta dizer que Paul Bocuse, foi um dos aprendizes desta enorme cozinheira.

Hoje, o Mère Brazier é um restaurante contemporâneo, na decoração e no estilo imposto pelo actual co-proprietário, o reputado chef Mathieu Viannay, que reabriu o espaço em 2005 e conquistou duas estrelas Michelin em 2009 – que conserva até hoje. Todavia, o lugar mantém uma certa aura de outros tempos, quer no estilo clássico de fine dining bem à francesa – em que o exemplo máximo é a forma como são apresentados os queijos, numa enorme tábua que tem de ser transportada por dois empregados -, quer na preservação da memória de Eugénie Brazier e da cozinha lyonnaise em certos pratos.

Apesar do prestígio e de uma certa pompa, o restaurante não é proibitivo em termos de preço (estará ao nível de um duas estrelas em Portugal), tal como ambiente não é pesado – graças, em boa parte, ao afável serviço. No Mère Brazier é possível pedir à carta, mas como em outros restaurantes do género, a melhor forma de conhecer a proposta actual do chef é através do menu de degustação. Porém, este é flexível, dado ser possível escolher os pratos, quer se peça o menu de 5, 7, ou 10 serviços. O único senão é que alguns dos clássicos, como a galinha de bresse em dois serviços (para duas pessoas), só está disponível à carta.
Em termos de vinhos, o Mère Brazier só poderia ter uma garrafeira bem recheada, com tudo o que é Grand Cru, da Borgonha a Bordéus. Porém, não deixa de ter também uma carta actualizada, aberta a novas tendências e a alguns vinhos de outros países, entre eles de Portugal.

Thomas Ponson é uma espécie de DDT (Dono Disto Tudo), na área da Rua Laurencin, no 2º arrondissement, na zona central de Lyon. De um lado, tem o Thomas, restaurante de cozinha de mercado mais autoral, seguido do La Reserve, uma extensão do primeiro, para pequenos grupos, com a sua bela adega à vista. Já em frente, do outro lado da via, fica o Bouchon Thomas, de cozinha regional e o Café Thomas, bar de tapas e pequenos pratos para partilhar. Por fim, na rua acima, a poucos metros, há ainda o novo La Poissonnerie, que oferece uma proposta focada em peixes e mariscos. Cada um tem o seu próprio ambiente sempre num um espirito informal e de preços aceitáveis.

No Thomas Bouchon, que tivemos a oportunidade de visitar ao almoço, deliciámo-nos com duas das propostas do menu lyonnais: uma singela salada de lentilhas com ovo escalfado e um (mais um) enchido típico da região, a salsicha com pistácio, servida quente, com batata a vapor e cervelle de canut, um dip de fromage blanc (tipo queijo creme) com chalotas e ervas picadas. Já na sobremesa não resistimos ao pain perdu, uma gulosa rabanada servida com sorvete de baunilha.

Uma das razões de recomendarmos o universo de Thomas Ponsot, deve-se à sua garrafeira. São mais de 350 rótulos de diversas regiões do país, com maior foco no Rhône e na Borgonha. Há várias propostas abaixo dos 30 euros que vão bem com a comida do lugar, porém, o assunto começa a ficar verdadeiramente mais interessante acima dessa fasquia.  Ah! Saiu-lhe o Euromilhões e quer um Romanée Conti. Bom, é só escolher se prefere o La Tâche, um Grand Romanée-Saint-Vivant, um Echezeaux, ou um Richebourg. Só não me peça que lhe diga o preço.

As bases sólidas adquiridas em restaurantes como o de Pierre Gagnaire e um pensamento livre e criativo deram a Mathieu Rostaing-Tayard o reconhecimento ao ponto de ser considerado um dos mais jovens talentosos chefs de França. A forma de manifestar esse talento ficou expressa no Sillon, o restaurante ao estilo noveau bistro de que foi chefe e proprietário, entre 2014 e 2018. Depois de um período de pausa, Mathieu abriu recentemente um novo espaço, num pequeno largo, muito agradável, junto à praça de Sathonay. Deu-lhe o nome de Micro-Sillon, dado manter parte do adn do anterior restaurante, embora numa versão simplificada, um wine bar focado em vinhos naturais com pequenos pratos para os acompanhar.

Mathieu Rostaing-Tayard – que entretanto se mudou para Biarritz, no País Basco francês, onde abriu pop up do Sillon no Verão – não está na operação do dia-a-dia, deixando essa tarefa à sua sócia Joanna Figuet, responsável pelos vinhos e serviço, que trabalha com ele desde 2012.

Se o tempo ainda o permitir fique numa das mesas da agradável esplanada, caso contrário também ficará bem na sala interior ou mesmo ao balcão. No menu, espere encontrar alguns produtos de grande qualidade, pouco ou nada manipulados, como enchidos, queijos ou umas incríveis anchovas do Cantábrio (que não resistimos em repetir) e um conjunto de pratos para partilhar, elaborados de forma simples, mas com uma certa criatividade. Entre estes, agradou-nos, por exemplo, o biqueirão curado com salada de funcho.

Em matéria de vinhos encontrará na carta uma série de rótulos interessantes com destaque, como seria de esperar, para os de produtores de regiões próximas, do Beaujolais ou de Mâconnais (sul da Borgonha). Desta última veio o delicioso branco com que acompanhámos o jantar, o Mâcon-Villages do Clos des Vignes du Maynes, do produtor Julien Guillot.

Guia enogastronómico

Comer

Antic Le Mercière

Na parte renascentista de Presqu’ile, em pleno coração de Lyon, este restaurante é uma das atrações da colorida e animada Rua Mercière.

56 RUE MERCIÈRE / LYON
+33 478376735

Rustique

Aqui, a aposta é na cozinha de autor, conceitual e sofisticada, servida num ambiente elegante, ainda que sem luxos vistosos.

14 RUE D’ENGHIEN, LYON
+33 4 72 13 80 81
Beber

Antic Wine

4800 referências e um stock de 127 mil garrafas de diferentes regiões do mundo e nos mais diversos formatos.

ANTIC WINE, 18 RUE DU BŒUF, 69005 LYON, FRANÇA
+33 4 78 37 08 96

Vins Nature Lyon

Hoje, com três lojas em três bairros distintos do centro da cidade, o resultado de suas visitas a produtores reflete-se no conjunto de vinhos que encontramos nelas.

VINS NATURE LYON 1ER TERREAUX : 1 RUE DÉSIRÉE 69001 LYON | VINS NATURE LYON 2ÈME BELLECOUR 6 RUE DU PLAT 69002 LYON | VINS NATURE LYON 7ÈME JEAN-MACÉ 34 RUE CHEVREUL 69007 LYON
+33 4 26 00 44 54 | +33 4 26 07 13 85 | +33 4 37 37 40 47
Comer

La Mère Brazier

Aberto em 1921, o La Mère Brazier é um dos restaurantes mais emblemáticos de França.

12 Rue Royale, 69001 Lyon
+33 4 78 23 17 20

Bouchon Thomas

Uma das razões de recomendarmos o universo de Thomas Ponsot, deve-se à sua garrafeira.

3 Rue Laurencin, Lyon
+33 4 72 60 94 53

Micro Sillon

No menu, espere encontrar alguns produtos de grande qualidade, pouco ou nada manipulados, como enchidos, queijos ou umas incríveis anchovas do Cantábrio e um conjunto de pratos para partilhar.

6 Pl. Fernand Rey, 69001 Lyon
+33 9 84 23 52 47